A violência doméstica está presente em todas as classes sociais e religiões e atinge a todas as pessoas, especialmente aquelas consideradas mais frágeis socialmente, como mulheres, crianças e idosos.
O objetivo neste momento é refletir sobre a violência praticada contra as mulheres no âmbito doméstico e de como as igrejas se comportam com vistas a reconhecer possíveis soluções que permitam interagir, baseando-se em referências teóricas da teologia, psicologia e história, a fim de propor caminhos de convivência para a criação de relações interpessoais saudáveis, o que se torna um desafio para as igrejas, pois elas também se fazem presentes no íntimo de suas famílias cristãs.
As mulheres submetidas a esse tipo de violência, muitas vezes se culpam de serem responsáveis pelos atos violentos velando ainda mais o problema.
Afinal, a religião tem ensinado ao longo do tempo que a mulher deve ser submissa e tem que lutar pelo casamento, como se a obrigação fosse somente dela, e que o diabo é o responsável pelas agressões do seu marido. E como uma mulher sábia deve aceitar, tendo como o silêncio e a oração os únicos caminhos para a solução.
Um dos papéis da mulher na bíblia é de submissão, sim. Mas não da maneira errônea que estão pregando nos púlpitos. A submissão é uma regra para todos os cristãos, não somente para as mulheres. Submissão significa respeitar a autoridade e os desejos dos outros e, dentro do casamento, se submeter ao marido como relação de liderança, assim como os filhos à autoridade dos pais. Em contrapartida, o marido deve se sacrificar pela sua esposa, dar bom exemplo, deve tratar com respeito e tem as mesmas obrigações da esposa dentro do lar.
O marido dominador ou abusivo que coloca a esposa a conviver debaixo de opressão, de agressão física e verbal, que acha que deve tomar todas as decisões importantes sozinho, sem ajuda e o conselho da esposa, é um tolo.
A mulher tem todo o direito de se defender e rejeitar as atitudes erradas do marido, e nessas situações, a esposa deveria receber todo apoio e denunciar, se preciso for, antes que coisas piores aconteçam, como perder a sua própria vida.
Segundo uma pesquisa da Universidade Mackenzie, 40% das mulheres vítimas da violência doméstica são evangélicas. Por que esse número tão alto dentro das igrejas? E veja que esse número refere-se somente às mulheres que denunciam. E as que não denunciam?
Anualmente, milhares de mulheres morrem em decorrência de atos violentos no mundo todo, os quais ainda deixam outras milhares de mulheres com sequelas físicas e psicológicas, atinge a quem puder vorazmente.
Dentre os tipos de violência doméstica, seja a física configurada por tapas, tirar de casa à força, arrancar a roupa, entre outros; a violência patrimonial, com a destruição de objetos pessoais ou documentos, ainda tomar o cartão de crédito e débito, se apossar dos valores financeiros; da violência moral, quando rebaixa a mulher por meio de xingamentos que incidem sobre a sua índole; da violência psicológica, quando causa dano emocional e diminui a autoestima, chama a atenção a violência sexual, muito comum no meio evangélico.
Dentro das igrejas, esse tipo de violência é muito comum, pelo simples argumento de que utilizam um versículo isolado, 1 Coríntios 7:4, parte A que diz: “A esposa não tem autoridade sobre o seu próprio corpo, mas, sim, o marido”.
Não sou contra às Escrituras, pelo contrário! Como cristã, sou totalmente a favor ao que a Palavra de Deus diz. Mas também, nesse caso, há uma distorção.
Quando se diz que a esposa não tem autoridade sobre o seu próprio corpo, mas, sim, o marido, quer dizer não vos negueis um ao outro, senão de comum acordo. Isto não dá a qualquer dos cônjuges o direito de exigir certos atos sexuais do outro, que ele ou ela não queira dar. Por causa desse versículo, muitos maridos abusam e agridem suas esposas. Isso é violência sexual, é estupro.
Lembrem-se disso, maridos!
As igrejas precisam tratar desse assunto e começarem de uma vez por todas a trabalhar no âmbito da violência doméstica, ainda que enfrentem muitos desafios, assumindo a responsabilidade social, que já fazem em outras áreas, e combater os costumes impostos pela religiosidade, com espaço de acolhimento, atendimento psicológico e jurídico, realizar palestras e até mesmo pregar nos púlpitos.
Essa iniciativa não deve ser somente do líder religioso, mas de toda a comunidade que precisa estar consciente do seu papel em acolher e enxergar que ela também faz parte do problema. E se somos parte do problema, também temos a solução; mas, pra isso, preciso entender e admitir que fazemos parte dessa realidade. E enquanto não admitir isso, as mulheres continuarão a ser mortas, feridas e ameaçadas.
É fácil identificar o tipo de mulher que passa por violência doméstica?
Nem sempre. Não é tão fácil assim. Tanto é que bem recente a violência doméstica passou a ser tratada nas igrejas, mas de uma maneira ainda acanhada, quando, na verdade, sempre existiu esse tipo de violência. Muitas delas sentam do nosso lado e não percebemos.
A Bíblia diz em Colossenses 3:19: “Vós, maridos, amai a vossas mulheres, e não as trateis asperamente.”
As igrejas ainda precisam deixar a religiosidade de lado e aprender que é melhor ter uma pessoa divorciada que uma pessoa morta. E o divórcio não é um pecado sem perdão. A vida não termina com o divórcio. O divórcio é a saída para situações insustentáveis. É melhor o divórcio que a violência. É melhor a vida e a paz, que a violência ou a morte.
“A mansidão de Cristo, manifestada no lar, tornará felizes os membros da família; ela não provoca disputas, não dá más respostas, mas acalma o temperamento irritado, e difunde uma suavidade que se faz sentir por todos os que se acham dentro do aprazível ambiente.”
Escritora do século XIX, Ellen G. White
Caroline Gurgel
Advogada OAB/RN 15841. Pós-Graduada em Direito Público e Pós-Graduada em Direito Penal e Processual Penal. Bacharelanda em Teologia. Voluntária nos projetos de Combate à Violência contra a Mulher no Coletiva Nísia Floresta e Clara Camarão.